Por cá existem inúmeros usos e costumes na Páscoa, começando por guloseimas na padaria, passando por assados especiais e, não por último, terminando nos ovos de Páscoa.
Como disse ontem, sou convicta de que todos esses usos e tradições tem mais a ver com a primavera do que com qualquer outra coisa. Na pesquisa de um outro assunto, deparei-me com um livro de 1854, chamado Simbologia Cristã de um Wolfgang Menzel, que em seu tempo foi até conhecido crítico literário. Interessante que na lista de suas obras no catálogo da biblioteca nacional alemã não consta essa obra, em dois volumes. Mas, em tempos de Google Books, quem é que se interessa pelo catálogo da biblioteca nacional alemã?
Resolvi traduzir o texto que diz respeito à Páscoa, por ver lá escrito muito do que eu mesma penso a respeito:
Páscoa (em alemão Ostern)
Festa da Ressurreição do Senhor. A palavra alemã foi mantida de uma antiga festa da primavera pagã em honra à Deusa Eastre, Eostra, Ostara. Sob esse nome provavelmente pretendia-se dizer do sol que vem do leste (Osten). Ainda hoje o povo acredita que no domingo de páscoa de manhã o sol salta três vezes de alegria pela Ressurreição do Senhor.
Vem daí a tradição, em muitos lugares, de subir a um monte na noite santa da páscoa e lá esperar o sol nascer.
O sol, como a luz original, muitas vezes foi comparado com Cristo, a luz original do espírito, assim também o nascer do sol com seu nascimento e sua ressurreição. Essa simbologia corresponde também à época na qual cai a páscoa.
A primavera é ao mesmo tempo a manhã do ano, assim como o inverno foi a sua noite. O sol da páscoa, depois das longas noites de inverno, é o real sol matinal do ano, com o simultâneo acordar das flores e dos pássaros e de toda a vida na natureza.
Em tempos mais antigos o ano começava na Páscoa, com a primavera. Assim também o ano litúrgico começava antigamente no dia 25 de março.
A Páscoa é simultaneamente a antiga festa do Passah dos judeus, que cai na mesma época e que pode ser remetida à mesma simbologia da natureza pois, mesmo os judeus festejando em sua páscoa apenas a libertação de seu povo do Egito, assim essa libertação da escravidão, festejada justamente na primavera, nada mais significa do que a libertação da natureza das garras do inverno.
A festa do Passah é fixa. A igreja cristã, no entanto, fez da Páscoa uma festa móvel, não apenas para diferenciar-se da festa judaica, mas para poder festejar a ressurreição sempre em um domingo. Dessa forma foi estabelecido que a Páscoa seria festejada sempre no primeiro domingo depois da primeira lua-cheia depois do equinócio vernal (21.03).
Na simbologia dos festejos da Páscoa, o cordeiro da Páscoa (Osterlamm) ocupa o primeiro lugar. Trata-se do mesmo cordeiro da Páscoa que os judeus abateram e comeram quando saíram do Egito, o que representa a origem da festa da Páscoa.
No entanto para os cristãos trata-se do Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo. O cordeiro da Páscoa é normalmente enfeitado com a flâmula da cruz, assim como o próprio Cristo carrega essa flâmula exclusivamente em quadros representando a Ressurreição.
O cordeiro é identificado com o sol. Em Brandemburgo na manhã da Páscoa, antes do nascer do sol, pega-se um recipiente com água e na hora do nascer do sol espelha-se nela um cordeiro branco. Aqui percebe-se nitidamente como antigos cultos da natureza foram integrados na tradição cristã.
A festa da Páscoa é uma imensa festa da luz, pois a partir daí os dias ficam mais longos e se inicia a alta temporada da primavera e do verão, o que convenientemente se traduziu como a iluminação do mundo pelo cristianismo. Como o sol da Páscoa é uma alegoria para o próprio Cristo, assim também a fogo da Páscoa, a luz da Páscoa, a vela da Páscoa e o óleo da Páscoa.
Até os tempos modernos foram acendidas fogueiras nos morros. Saltava-se sobre elas, fazia-se com que os animais passassem rapidamente sobre ela, corria-se com pedaços de madeira em chama em torno dos campos já semeados. Rolava-se uma roda de fogo de cima do morro ou atiravam-se pedaços de madeira em chamas sobre os campos semeados, para assim abençoá-los e protegê-los contra danos. Guardavam-se as cinzas do fogo da Páscoa para proteger-se contra todos os tipos de malefícios.
Provavelmente antigamente se apagavam todos os fogos no sábado de alelulia para reacendê-los na sagrada noite da Páscoa com o nascer do sol. Essa tradição manteve-se pelo menos nas igrejas. Nas festividades da santa noite da Páscoa todas as velas são apagadas e acesas novamente somente de manhã, o que de acordo com a antiga crença aconteceu por um milagre no santo sepulcro em Jerusalém.
A crença de que na manhã da Páscoa as velas nas igrejas por milagre são acesas por luzes que vindas do mar ou do ar flutuam para dentro das janelas, é também presente em outras situações.
Um ritual comum na igreja católica é na Páscoa renovar-se todo o óleo usado na igreja. O óleo antigo é queimado, o que se denomina "queimar o Judas".
Além disso a grande "Vela da Páscoa", também denominada "Luz da Páscoa", uma imensa vela de cera, muitas vezes colorida e enfeitada, serve para acender todas as outras velas, sendo que também o povo faz fila para acender uma pequena vela para com ela ter um fogo abençado para o seu fogão doméstico.
Essa "Luz da Páscoa" queima pela primeira vez na noite da Páscoa. É comparada com a Coluna de Fogo que iluminou o caminho dos Judeus na sua saída do Egito. Mas, para diferenciá-la e torná-la cristã, ela é colocada na água do batismo. O novo óleo destinado ao serviço eclesiástico é consagrado já na quinta-feira santa.
A consagração da luz na Páscoa corresponde à consagração da água. Na Páscoa toda água é consagrada, o que acontece com especial festividade na igreja grega. O patriarca dirige-se ao rio mais próximo e o abençoa. Na igreja romana somente a água benta e do batismo é abençoada.
No entanto, credita-se também à água da Páscoa para o uso particular uma bênção maior do que à água comum, e assim, no âmbito de festividades antigas, busca-se essa água já de dia ou, contra a corrente por uma mão virgem, sendo que sem dúvida entram aqui antigas tradições pagãs.
Entre jovens o jogar da água da Páscoa uns nos outros, que hoje em dia é uma brincadeira, tem provavelmente sua origem também em uma espécie de bênção.
Dentro da simbologia da Páscoa existe ainda o ovo da páscoa, a bola da páscoa, a panqueca da páscoa, todos três redondos, simbolizando a terra redonda e a fertilidade da terra que se inicia com a Páscoa, mas na tradição cristã aplicada à ressurreição de Cristo.
O ovo da Páscoa é inicialmente um símbolo do Redentor fechado dentro de um túmulo. A brincadeira muito antiga com ovos de Páscoa consiste em que duas pessoas batem seus ovos coloridos uns contra os outros, o que deve significar a Ressurreição da vida de dentro do ovo.
Muitas vezes os ovos são esvaziados e inseridas pequenas figuras, como o menino Jesus na manjedoura, um pequeno crucifixo, etc. Na pintura e no recheio dos ovos esgotou-se a criatividade e muita coisa de mau-gosto instalou-se. Mas já no tempo dos pagãos o ovo era o mais natural e óbvio símbolo da vida aprisionada na terra endurecida pelo inverno, que renasce na primavera.
Ao colorir os ovos, pensou-se talvez no sangue de Cristo ao se usar a cor vermelha, mas nas muitas outras cores pensou-se provavelmente no novo enfeite da primavera: as flores.
A panqueca da Páscoa é um bolo redondo, que se assa na Páscoa e antigamente se levava para os morros, para comê-lo ao nascer do sol. Provavelmente uma alegoria para a terra que a partir da páscoa novamente se torna fértil e traz alimentos.
A bola da Páscoa, com o qual crianças e virgens brincam na Páscoa, é provavelmente também proveniente de algum festejo pagão da primavera, simbolizando o sol no céu, que agora raia durante mais tempo.
Considerando que a Páscoa é a manhã da ressurreição do Senhor, é óbvio que três dias antes é a sexta-feira da Paixão e cinqüenta dias depois a Epifânia. Todo o ciclo da Páscoa e Epifânia, iniciando-se com a quaresma, tem sua origem nas sagradas escrituras. No entanto parece que muitos usos e costumes da quinta-feira-santa são originários de uma antiga festa da primavera pagã, relativa às primeiras tempestades, às primeiras ervas, aos primeiros ovos, etc, o que não iremos tratar especificamente por não se tratar de simbologia cristã.
Christliche Symbolik
Wolfgang Menzel
Seite 175-180
E assim, como hoje é sexta da Paixão, aproveitei para colocar uma nova Via Crucis em meu fotolog. Clicando na foto você pode ver as catorze estações da Via Crucis da Igreja de São Paulo de Munique.