terça-feira, 6 de novembro de 2012

A vingança do faraó ou a Aventura Parte VII

Parte VI

Com certeza o preocupado leitor há de estar se perguntando se porventura perdi-me nas águas do Rio Nilo ou fui seqüestrada por algum vendilhão.

A explicação na demora em terminar de descrever a Aventura encontra-se no malvado do comezinho que me consome diariamente 12 das 24 horas que o dia normalmente nos oferece para grandiosas realizações. No entanto sendo doze delas devoradas pelo comezinho, oito requeridas para o sono dos justos pagadores de impostos, sobram apenas quatro para todas as demais atividades, entre elas a de terminar de escrever o texto, com o que fica fácil de se calcular quem levou a pior.

Mas para tudo dá-se um jeito e assim acabei desenvolvendo um método de escritura condizente com a modernidade: notebook no trem. Funciona, mas vai devagar. Como devagar e sempre é melhor do que depressa e nunca, vamos ao que interessa, qual seja a continuação do relato da aventura.

Na quinta-feira, pontualmente às 8 horas da manhã, saímos do navio rumo a um barco que iria nos levar à aldeia núbia. A entrada para o tal barco era um tanto precária, com o que aproveitei a oportunidade para levar um tombo pois meu pé recusou-se a fixar-se no chão do barco e preferiu virar, coisa que de quando em vez ele adora fazer. Mas foi uma virada sem maiores conseqüência além daquela malvada dor normal na hora em que o pé resolve torcer. Já todos me olharam com ar de comiseração mas fiz de conta que não era comigo e tomei assento no barco.

Barco do passeio à aldeia núbia
Nasser, nosso guia de plantão, contou-nos então que antes de visitarmos a aldeia núbia iríamos visitar o Jardim Botânico de Assuan. Depois de um curto trajeto pelas águas do Rio Nilo, onde passamos ao lado de túmulos de nobres que de noite ficam iluminados,
Túmulos de nobres do antigo Egito às margens do Rio Nilo. Em cima do morro o túmulo de Aga Khan
chegamos ao Jardim Botânico que fica na ilha de Kitschener bem no meio do rio. O nome da ilha deve-se a Horatio Herbert Kitchener, 1º Conde Kitchener, marechal inglês que em 1899 recebeu a ilha de presente por sua contribuição contra os levantes no Sudão. A ilha permaneceu em sua propriedade até sua morte em 1916. Hoje pertence ao governo egípcio e se tornou um ponto turístico bastante visitado tanto por turistas como por nativos. Clique aqui para maiores detalhes em inglês.

Descemos do barco, um desembarque mais amigável ao turista usuário de tal meio de transporte do que o embarque, e logo na entrada do Jardim Botânico deparei-me com essa placa:
Primavera brasileira enfeitando a entrada do Jardim Botânico
Preciso dizer que as primaveras brasileiras no Egito são lindas e estão em tudo quanto é canto: uma mais florida do que a outra.

Esse Jardim Botânico de Assuan foi construído pelos ingleses. Muito bonito, muito bem organizado, pode-se quase dizer que se trata do Egito inglês em flagrante contraste com o Egito egípcio. Há plantas de todo mundo, inclusive muitas brasileiras, entre outras o jacarandá.
A grafia deixa a desejar!
O que mais chamou minha atenção foram os gatos, que em alguma época no antigo Egito eram uma espécie de divindade. Aqui um gato especial, que parece que fez pose para a foto:
Tem mesmo cara de divindade com esses olhos bicolores
O grupo espalhou-se pela ilha, olhando e fotografando as plantas. Em algum momento topei novamente com Katrin e Luis, ao que Katrin me diz que a bateria de sua câmara havia acabado. Isso é trágico num passeio que nem bem começou. Emprestei-lhe minha segunda câmara, que carrego comigo para fotografar flores, pois achei tremendamente injusto ela e o menino ficarem sem fotografar durante o passeio. Afinal não é todos os dias que se faz uma excursão ao Jardim Botânico de Assuan, né?
Flor fotografada no Jardim Botânico antes do empréstimo a Katrin
Com isso voltamos ao barco que então nos levou para visitar a aldeia núbia.

Aqui parte de explicação da Wikipédia:

Habitada por povos nilóticos negros, a Núbia constituiu ao longo de milênios um ponto de encontro entre as civilizações egípcias - e, por conseguinte, o mundo mediterrâneo - e os povos negros da África. Cercada, porém, pelo deserto, num trecho mais estreito do vale, jamais apresentou produção agrícola e população comparáveis às do baixo Nilo. Por volta de 3100 a.C., a I dinastia egípcia se apoderou de parte da Núbia, que passou a abastecer o império de ouro, pedras preciosas e diorito. A partir de então, a história da Núbia permaneceu ligada à do Egito, algumas vezes sob o poder dos faraós, outras na forma de um ou vários reinos independentes.

Para se chegar à aldeia núbia tem-se de passar pela primeira catarata, que na verdadeira é mais uma corredeira do que catarata. 

Logo no ancoradouro da aldeia núbia um burrico:
Típico burrico egípcio. Ao fundo parte das pedras da catarata.
Esses burricos são o meio de transporte predileto dos egípcios e você os vê em tudo quanto é lugar, inclusive em Cairo. A primeira vez que vi um burrico desses no Egito veio-me à mente uma imagem de um quadro da Sagrada Família na fuga ao Egito. Não é sem motivo que estão Maria, José e o menino Jesus sentados em um burrico. De fato, se eu tiver de dizer qual o animal símbolo do Egito moderno eu diria que é esse burrico. Vi muito mais disso do que camelos, que a gente também vê mas servem antes para os turistas, ao passo que os burricos integram o cotidiano das pessoas.

Nasser levou-nos então a uma escola, onde tivemos de tomar assento em uma sala de aula. Nasser é também um dos guias que fala alemão, não sendo porém tão fluente como Mohammed. Talvez seja pela idade, já que Nasser é bem mais novo do que Mohammed.

Entra então um professor na sala de aula que começa nos explicando como funciona o alfabeto árabe e temos de aprender os números em árabe. Aprendemos também que na aldeia se fala árabe e dialeto núbio, mas que o dialeto núbio não tem escrita.

Aprendendo o alfabeto árabe na escola da aldeia núbia
Depois de alguns dos membros do grupo terem aprendido como escrever o próprio nome em árabe fomos fazer uma visita ao jardim da infância que ficava no primeiro andar da escola. A professora das crianças estava toda vestida de preto e do rosto apenas os olhos apareciam.


Aqui um curto filme que fiz das crianças no jardim da infância núbio.


Professora do jardim da infância núbio. Como se consegue vestir uma roupa assim no calor inclemente de 40°C?
Como não podia deixar de ser, ao voltarmos à rua fomos perseguidos pelos vendilhões que lá na aldeia núbia são também representados por mulheres. Uma delas me perseguiu de tal forma que no final acabei comprando uma bonequinha breguíssima, mas é autenticamente núbia. Depois de fechado o negócio a mulher quis que eu a fotografasse. O preço pelo modelo fotográfico estava incluso no preço da venda da bonequinha.


Mulher núbia vendendo breguices para turistas.

Nasser levou-nos então a uma casa para que a gente visse como moram pessoas núbias. Logo na entrada uma espécie de tanque com crocodilos para turista ver. A mulher os pegava e quem quisesse podia carregar um desses crocodilos para que o parente o fotografasse para a eternidade.
A mulher núbia e o crocodilo para turistas

Foi-nos então dito que desde a construção da Represa de Assuan não existem mais nem crocodilos nem hipopótamos desse lado do rio e que esses crocodilos expostos na aldeia núbia são de fato apenas para turista ver.

Em seguida visitamos os diversos aposentos especialmente arrumados para turista ver. Não achei nada de espetacular na coisa, mas acredito que os alemães não estejam acostumados com moradias desse tipo; a gente conhece coisa semelhante dos bairros de periferia de nossas grandes cidades. A maior diferença resida talvez no teto abobadado para espantar o calor e fornecer uma melhor circulação do ar.
Quarto de dormir na aldeia núbia, especialmente arrumado para turista ver
Numa espécie de átrio foi-nos então servida alguma especiaria núbia, com direito a chá e, para quem assim o quisesse, cachimbo de água.
Especiarias núbias. Nem cheguei perto
Nisso Nasser achou interessante contar-nos como se casa no Egito, desde o momento em que o rapaz resolve namorar uma determinada moça até o dia posterior ao casamento, quando mãe e sogra vão levar uma pomba assada ao casal como primeira refeição depois do casamento. Se tudo aquilo que ele contou é verdade, penso que nesse quesito os egípcios estão mais ou menos no ponto em que estavam meus avós há mais de 100 anos passados, correndo o risco de meus avós terem sido modernos demais para os egípcios de hoje.

Algo que achei bastante interessante na longa história foi quando ele explicou as casas na laje e isso funciona então assim: o primeiro casal compra um terreno e constrói a casa térrea, já com laje para que o primeiro filho homem a casar construa a casa para sua família e assim a laje vai crescendo proporcionalmente ao número de filhos homens do primeiro casal. Mas ouvi uma outra versão, que não exclui essa explicação de Nasser: as casas nunca são terminadas pois se você termina uma casa, tem de pagar altos impostos que casas inacabadas não pagam. A meu ver deveriam pagar mais imposto pois enfeiam a paisagem, mas isso é mais uma de minhas opiniões não necessariamente compartilhadas pelo resto do mundo.

A volta ao navio deu-se também pelo rio onde Nasser foi nos mostrando as diversas casas e construções, algumas de ricos artistas, como essa, por exemplo, que deve pertencer a um famoso cantor de músicas egípcias!
Casa do famoso cantor de músicas egípcias nas margens do Rio Nilo
Como não podia deixar de ser, passamos defronte ao Old Cataract Hotel que é um tradicional hotel de luxo no estilo colonial orientalizado, que se tornou conhecido por sua vista às cataratas e por seus hóspedes famosos, entre outros Agatha Christie, Winston Churchill e François Mitterand. O romance de Agatha Christie, Morte sobre o Nilo de 1937, é ambientado nesse hotel e o filme de mesmo nome de 1978 foi também rodado ali.Clique aqui para um texto em inglês sobre o hotel.
O hotel de Morte sobre o Nilo
Voltamos para o navio pontualmente para o almoço, onde então já tivemos o prazer de nos encontrar com nossos novos companheiros de viagem: os chineses. De um modo geral me pareceram um tanto mais civilizados do que os argentinos que partiram sem deixar saudades.


À tarde o programa foi uma viagem de barco a vela pelo rio Nilo. O mais espetacular foi o por-de-sol que no Nilo é de fato magnífico.

Nem barqueiro à vela consegue viver sem celular
Ao voltarmos do passeio com o barco à vela eu já não estava me sentindo bem, o que acabou se tornando um desastre em forma de mal-estar: a maldição do faraó me pegou de jeito e fui nocauteada. Passei mal a noite inteira e de manhã tive de abrir mão do passeio no qual iria conhecer a represa de Assuan.


Furto-me de maiores detalhes sobre a maldição do faraó. Apenas posso dizer que já a partir de quinta de noite as minhas refeições passaram a ser chá de hortelã com erva cidreira e alguma torrada, quando disponível. Interessante é que quase todos os alemães no navio foram atacados pela maldição do faraó. Katrin acha que isso se deve ao fato de vivermos muito esterilizados.

Parte VIII -  Final